Progressão especial de regime não é vedada para associação criminosa

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Recentemente, ao julgar o Habeas Corpus 216310-SP, o Ministro Ricardo Lewandowski decidiu:

“Como se nota da leitura do artigo 112, § 3º, V, da LEP, a lei somente veda a concessão de progressão especial à apenada que tenha integrado organização criminosa, não abrangendo a associação criminosa (artigo 288 do CP) ou associação para o tráfico (artigo 35 da Lei 11.343/2006). Como, in casu, está a se avaliar circunstância que impede a aplicação de patamar mais benéfico para a progressão de regime é vedada à analogia in malam partem, incidindo o princípio da legalidade estrita.”

Portanto, conforme a decisão, não se deve confundir ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA com ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ou ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.

 

Ementa:

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de Priscila Ferreira da Silva contra decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ que não conheceu do HC 737.595/SP (documento eletrônico 10). O impetrante sustenta que “no dia 20 de setembro de 2019, a Paciente tinha em sua posse para comércio, junto de seu companheiro, para fins de tráfico, 2,61 gramas de cocaína em forma de crack, e uma porção de Cannabis sativa L, conhecida como ‘maconha’, pesando 11,16 gramas, tendo sido denunciado como incurso no art. 33, caput, e art. 35 ambos da Lei 11.343/06. A Douta Sentença proferida em 1º grau condenou o paciente em 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, vejamos: ‘Na primeira fase, as penas bases devem ser aplicadas acima dos mínimos legais em razão das circunstâncias do crime e natureza de parte da droga, já analisadas. Caso de pena base do tráfico em 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa, e da associação em 4 anos de reclusão e 933 dias multa, que se tornam definitivas. A associação impede, por si só, o reconhecimento da causa de redução de pena do tráfico porque revela atividade criminosa. As penas somadas totalizam 10 anos e 8 meses de reclusão e 1599 dias-multa no valor mínimo. A pena imposta igualmente somente pode ser cumprida inicialmente em regime fechado.’ O Egrégio Tribunal Paulista, manteve o mesmo entendimento, vejamos: ‘Inicialmente, as penas foram adequadamente fixadas acima do mínimo legal em 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa, para o crime de tráfico de drogas e 4 anos de reclusão e 933 dias-multa, para o crime de associação, assim pontuando o MM. Juízo a quo ‘as penas bases devem ser aplicadas acima dos mínimos legais em razão das circunstâncias do crime e natureza de parte da droga, já analisadas.’ (fls. 174), as quais se tornaram definitivas à míngua de circunstâncias modificativas, ressaltando-se que a condenação pelo crime de associação indica que a ré se dedicava a atividades criminosas, o que impede o reconhecimento do tráfico privilegiado. As penas perfizeram 10 anos e 8 meses de reclusão e 1.599 dias-multa, no valor mínimo)’. Em razão da Paciente, ser a mãe responsável por criança menor de 12 (doze) anos (doc. anexo), o Nobre Defensor Público, requereu a progressão para o regime semiaberto sob a fração de 1/8, nos termos do art. 112 da LEP, o que fora negado pelo Juiz de 1º grau pelos seguintes fundamentos: ‘O pedido deve ser negado. A Lei 13.769, de 19/12/2018, acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 112 da L.E.P., para permitir a progressão no caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças com deficiência, desde que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente; III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V – não ter integrado organização criminosa. Ocorre que a sentenciada foi condenada pela prática de associação para o tráfico ilícito, tendo integrado, assim, organização criminosa, havendo exclusão expressa no artigo 3º, inciso V, da Lei 13.769/2018. Dessa maneira, existe vedação legal à concessão progressão de regime[…]’. Eminentes Ministros, a Paciente preenche cumulativamente todos os requisitos do art. 112, § 3º, da LEP (documentos em anexo). Pois, não cometeu crime com violência ou grave ameaça, nem contra seu filho ou dependente, já cumpriu mais de 1/8 da pena, é primária, de bons antecedentes, possui bom comportamento carcerário e não integra organização criminosa. No caso em tela, o V. Acórdão equiparou a condenação pelo delito do art. 35 da Lei 11.343/06, ao delito de organização criminosa nos termos da Lei 12.850/2013. Referente ao tema, a Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal, firmou em definitivo, a tese jurídica de que, em prol da legalidade, da taxatividade e do favor rei, a interpretação do art. 112, § 3º, V da LEP deve se dar de modo restritivo” (págs. 3-7 no documento eletrônico 1). Ao final, requer: “a) seja determinado ao Juízo das Execuções Penais ratifique-se o cálculo, a fim de que que seja estipulado a fração de 1/8, tendo em vista que a Paciente preenche todos os requisitos do art. 112 § 3º, I ao V, da LEP, abstendo-se de considerar a condenação pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas para fins de análise do requisito contido no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei n. 7.210/1984. b) seja, ao final, a presente ordem de Habeas Corpus concedida, confirmando-se a medida liminar eventualmente deferida” (pág. 15 do documento eletrônico 59). É o relatório necessário. Decido. Transcrevo, por oportuno, parte da decisão combatida, no que importa, para o deslinde do writ: “Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de PRISCILA FERREIRA DA SILVA, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO no julgamento do Agravo em Execução Penal n.0000443- 42.2021.8.26.0154. Consta dos autos que o juízo da Execução Penal indeferiu o pedido de progressão de regime formulado pela ora paciente com base no art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal – LEP (fls. 24/26). Interposto agravo em execução, pela defesa, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso sob o fundamento de que a paciente integrava organização criminosa, nos termos do acórdão de fls. 17/23. Irresignada, a defesa interpôs agravo em execução, o qual foi desprovido sob o fundamento de que a paciente integrava organização criminosa, nos termos do acórdão de fls. 17/23. Na presente impetração, sustenta a defesa que tendo sido promulgada lei que altera os lapsos para progressão de regime, cabe ao Juiz a observância do novo lapso, não sendo admissível a negativa de aplicação da norma. Argumenta que a paciente foi condenada por associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/06), circunstância que não se confunde com a vedação decorrente de integrar organização criminosa. Afirma que a paciente está ‘sobre grave violação em seu direito de ir e vir, uma vez que a Paciente cumpre pena em regime mais gravoso, caracterizando-se o periculum in mora que autoriza a concessão de liminar em favor da paciente a fim de determinar que o Juízo das Execuções Penais retifique o cálculo de penas da Paciente, abstendo-se de considerar a condenação pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas para fins de análise do requisito contido no inciso Vdo § 3º do art. 112 da Lei n. 7.210/1984’. Requer, em sede liminar e no mérito, que ‘seja determinado ao Juízo das Execuções Penais ratifique-se o cálculo, a fim de que seja estipulado a fração de 1/8, tendo em vista que a Paciente preenche todos os requisitos do art. 112, § 3º, I ao V da LEP, abstendo-se de considerar a condenação pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas para fins de análise do requisito contido no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei n. 7.210/1984.’ (fl. 15). O pedido liminar foi indeferido (fls. 59/60). Informações prestadas (fls. 66/87). O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do Habeas Corpus, por se tratar de mera reiteração de writ anterior ( Habeas Corpus n. 670.368/SP), já julgado por esta corte (fls. 91/96). É o relatório. Decido. De fato, a presente impetração traz pedido idêntico ao formulado no HC 670.368/SP, julgado monocraticamente em 30/08/2021 e transitado em julgado em 14/09/2021, e em ambos se ataca acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Agravo de Execução Penal n. 0000443-42.2021.8.26.0154. Assim, diante de inadmissível reiteração de pedidos, obstaculizado o conhecimento deste mandamus. […] Ante o exposto, com fundamento no art. 34, inciso XVIII, alínea a, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço da presente impetração” (documento eletrônico 10). Reproduzo, também, trecho da sentença que negou o direto de progressão de regime à paciente. Confira-se: “A Lei 13.769, de 19/12/2018 acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 112 da L.E.P., para permitir a progressão no caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças com deficiência, desde que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente; III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V – não ter integrado organização criminosa. Ocorre que a sentenciada foi condenada pela prática de associação para o tráfico ilícito, tendo integrado, assim, organização criminosa, havendo exclusão expressa no artigo 3º, inciso V, da Lei 13.769/2018. Dessa maneira, existe vedação legal à concessão progressão de regime” (pág. 1 do documento eletrônico 3, grifei). A presente impetração volta-se contra decisão monocrática proferida pelo Ministro Joel Ilan Paciornik que, como visto, não conheceu do HC 737.595/SP (documento eletrônico 10). Assim, em princípio, este pleito não poderia ter seguimento, sob pena de extravasamento dos limites de competência desta Suprema Corte descritos no art. 102 da Constituição Federal, que pressupõem seja a coação praticada por Tribunal Superior. Ademais, o mérito desta impetração não foi objeto de julgamento pela Corte Superior, e, sendo assim, a orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que, [inexistindo] prévia manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria de fundo da impetração, a apreciação dos pedidos da defesa implica supressão de instância ( HC 119.600-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma). Todavia, “[…] em obediência ao princípio da proteção judicial efetiva (art. 5º, inciso XXXV, CF), a aplicação desse entendimento jurisprudencial pode ser afastada na ocorrência de patente constrangimento ilegal ou abuso de poder, […]” ( HC 167.523/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, transitada em julgado em 27/2/2019), o que verifico no presente caso. Isso porque, a orientação jurisprudencial da Segunda Turma desta Suprema Corte é no sentido de que “a lei somente veda a concessão de progressão especial à condenada que tenha integrado organização criminosa, não abrangendo a apenada que tenha participado de associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006)” HC 200.630-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma) . Nesse sentido: “HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO ESPECIAL DE REGIME PREVISTA NO ART. 112, § 3º, DA LEP. MÃE DE CRIANÇA MENOR DE 12 ANOS. CONDENADA POR CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR À APENADA RESTRIÇÃO LEGAL OPONÍVEL UNICAMENTE A AGENTE QUE INTEGROU ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PROSCRIÇÃO À ANALOGIA IN MALAM PARTEM. PRINCÍPIO DO FAVOR REI. APENADA CONDENADA A CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. AUSÊNCIA DE ÓBICE À INCIDÊNCIA DA PROGRESSÃO MAIS BENÉFICA. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR QUE O JUÍZO DE EXECUÇÃO PENAL ABSTENHA-SE DE CONSIDERAR ANTERIOR CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COMO ÓBICE À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 112, § 3º, DA LEP. 1. A Constituição da Republica (art. 5º, XXXIX) assegura que ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’, postulado que exige a subsunção estrita das condutas e das sanções criminais à moldura normativa. 2. Como se nota da leitura do art. 112, § 3º, V, da LEP, a lei somente veda a concessão de progressão especial à apenada que tenha integrado organização criminosa, não abrangendo a associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006). 3. Como, in casu, está a se avaliar circunstância que impede a aplicação de patamar mais benéfico para a progressão de regime é vedada à analogia in malam partem, incidindo o princípio da legalidade estrita. 4. Não há, pela redação do art. 112, § 3º, da LEP restrição à progressão especial a quem cumpra pena por crime equiparado a hediondo, portanto o fato de a paciente cumprir pena por crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas) não é entrave ao reconhecimento da progressão especial, a qual deve incidir sobre o totum da reprimenda que lhe foi imposta (tanto ao crime de associação para o tráfico como ao próprio tráfico de drogas). 5. Ordem de habeas corpus concedida a fim de determinar que o Juízo a quo realize nova análise de progressão da pena total da paciente (tanto ao crime de tráfico como ao de associação para o tráfico), abstendo-se de considerar o crime de associação para o tráfico como óbice à progressão especial de regime prevista no art. 112, § 3º, da LEP ” ( HC 183.610/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma). Isso posto, nego seguimento ao writ, mas concedo parcialmente a ordem de habeas corpus (art. 192, caput, do RISTF), para determinar que o Juízo a quo proceda nova análise de progressão da pena, a fim de garantir à paciente a progressão especial de regime prevista no art. 112, § 3º, da LEP. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 4 de julho de 2022. Ministro Ricardo Lewandowski Relator. (STF – HC: 216310 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/07/2022, Data de Publicação: 06/07/2022)

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